"Um dos mais poderosos mantram, detentor de grande respeito e considerado o mantra da iluminação, é o Gayatri.
Na Índia conta-se que um jovem meditador chamado Manu buscava a iluminação. Ele fazia todas as práticas de yoga, mas não tinha o menor interesse em ler ou estudar os livros sagrados. Era perito em exercícios respiratórios, posições físicas, meditação e concentração, mas não gostava de ler, o que incomodava seus gurus.
Um dia, numa prática meditativa, Manu foi visitado pela deusa Indra, que já há muito observava as práticas do jovem. Indra disse a Manu:
— Suas práticas de yoga e sua busca pela iluminação me despertam a compaixão por ti e te ajudarei em tua busca. Pede-me o que desejares.
Manu, assombrado pela presença de Indra, fez-lhe uma reverência, inclinando-se, e disse:
— Permite-me conhecer todos os mistérios dos textos sagrados sem que eu os leia ou estude, pois minha natureza é a de praticante, e não a das teorias contidas nos livros.
Indra, perplexa, riu diante do pedido e disse a Manu que seria impossível:
— Manu, pede-me outro desejo, pois até hoje nenhum ser atingiu a iluminação sem antes estudar os textos sagrados. É como um homem que queira, jogando pedras sobre o mar, aterrá-lo. Isso é impossível como também é impossível conhecer os textos sem lê-los. Pede-me outra coisa, Manu.
Manu respondeu:
— Se é assim, nada desejo, pois somente a iluminação é a minha meta. Não me interesso por nenhuma riqueza ou honra deste mundo.
Indra, feliz por reconhecer a humildade do jovem Manu, recuou em suas convicções e disse-lhe:
— Manu, por tua pureza e busca sincera, dou-te um mantra que, praticado, permitirá que alcances a iluminação sem dominar os textos.
E Indra ensinou o Gayatri Mantra:
Om Bhúr Bhuva Swáhá
Tat Savitur Varenyam
Bhargo Devasya Dhimahi
Dhyo Yo Nah Prachodayat.
O Gayatri é, portanto, o Mantra da Iluminação, considerado por vários sábios o mais completo e poderoso que podemos praticar. Ele é total — atua desde os aspectos mais sutis do ser até a matéria.
Outro mito conta que numa reunião de vários sábios na Índia criou-se esse mantra, que é chamado de “Mãe dos Vedas”, pois ao praticá-lo adquire-se todo o conhecimento dos textos sagrados e se acumulam méritos — karma positivo. Em suas sílabas está contida toda a essência da mística e filosofia hindu, na qual destaco:
Jnaña Yoga – o conhecimento da sua eternidade e o abandono do impermanente;
Bhakti Yoga – devoção a todos os elementos da natureza, já que o Gayatri contém em suas sílabas elementos como fogo, ar, água, terra, homens, animais, sol, lua, estrelas etc;
Karma Yoga – que dá consciência de nossa interdependência com todos os seres vivos e nossa responsabilidade de deixarmos o planeta em paz.
Cada sílaba do Gayatri contém um significado místico:
Om – a mãe/o pai de toda a eternidade;
Bhúr – a mãe Terra, o planeta Terra, o plano físico;
Bhuva – o éter, a atmosfera, o plano astral;
Swáhá – o céu, os planos não-materiais celestes, conhecidos como angélicos ou devas;
Tat – “aquele”, nossa alma, a transcendência do ilusório e do triunfo;
Savitur – o poder da luz, o abstrato, a vida presente em tudo, a nutrição;
Varenyam – adoração por tudo;
Bhargo – a irradiação da consciência da vida, a eliminação dos maus karmas e o acúmulo de méritos;
Devasya – todos os seres, a nossa iluminação e a aceitação do que se é;
Dhimahi – meditação, domínio;
Dhyo – corpo, austeridade;
Yo – alma, consciência;
Nah – totalidade, criação;
Prachodayat – iluminação e compaixão.
O iluminado Krishna diz no Bhagavad Gita:
“Entre todos os sons e versos sagrados, eu sou o Gayatri”.
Significado
Bhúr, bhuva e swáhá são os três planos da existência. Na teoria védica das equivalências (bandhu), essa divisão tripartida do universo tem muitos níveis de significados. Refere-se aos três mundos: o infinitamente grande, o humano e o infinitamente pequeno; aos três gunas, ou às três qualidades da natureza: inércia, ação e equilíbrio (tamas, rajas e sattwa); ou ainda ao paralelo que existe entre as estruturas da consciência e da natureza. Ou seja, assim como é em cima, é também embaixo, o macrocosmo reflete o microcosmo. Savitur, o Sol, é o símbolo da consciência e ao mesmo tempo da kundalini. Faz-se o Gayatri Mantra para celebrar a existência e harmonizar-nos com o poder de transformação presente na natureza. Este mantra é um convite à contemplação da força que move o macrocosmo, o microcosmo e o homem.
Em uma viagem de peregrinação à Índia, tive acesso a este quadro, que será utilíssimo aos já iniciados nos mistérios e nas práticas mântricas.
Mantra (sílaba)
|
Cor
(das sílabas) |
Shakti (deusa
do mantra) |
Princípio cósmico (micro/macrocosmo)
|
Tat
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Amarelo
|
Prahlãdini
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Terra
|
Sa
|
Rosa
|
Pradhã
|
Água
|
Vi
|
Vermelho
|
Nityã
|
Fogo
|
Tuh
|
Azul
|
Visvabhadra
|
Ar
|
Va
|
Transparente
|
Vilãsini
|
Éter
|
Re
|
Branco
|
Prabhãvati
|
Olfato
|
Ni
|
Branco
|
Jayã
|
Paladar
|
Yam
|
Branco
|
Sãntã
|
Visão
|
Bha
|
Preto
|
Kãntã
|
Toque
|
Rgo
|
Vermelho
|
Durgã
|
Som
|
De
|
Lótus-vermelho
|
Saraswati
|
Fala
|
Va
|
Branco
|
Visvamãyã
|
Mãos
|
Sya
|
Dourado/ amarelo
|
Visãlesa
|
Genitália
|
Dhi
|
Branco
|
Vyãpini
|
Ânus
|
Ma
|
Rosa
|
Vimalã
|
Pés
|
Hi
|
Concha branca
|
Tamopahãrini
|
Orelhas
|
Dhi
|
Creme
|
Suksma
|
Boca
|
Yo
|
Vermelho
|
Visvayoni
|
Olhos
|
Yo
|
Vermelho
|
Jayãvahã
|
Língua
|
Nah
|
Cor-de- nascer-do-sol
|
Padmãlayã
|
Nariz
|
Pra
|
Lótus-azul
|
Parã
|
Mente
|
Cho
|
Amarelo
|
Sobhã
|
Ego/senso
|
Da
|
Branco
|
Bhadrarupã
|
Princípio criador
|
Yat
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Branco, vermelho, preto
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Trimurti
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Três qualidades da natureza: Ação, inércia e equilíbrio
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Uma prática adiantada de meditação é a união do mantra com o yantra do Gayatri.
Yantra é um símbolo ou mandala que representa algo, no caso, o Gayatri Yantra refere-se à iluminação.
Para praticar o Gayatri, sente-se com a coluna ereta e com o yantra colocado à altura de seu rosto, iluminado pela chama de uma vela. Visualize o centro do símbolo, evitando piscar enquanto mentaliza ou vocaliza esse mantra.
Os efeitos dessa prática se fazem sentir principalmente à noite.
Kalu Rinpoche, em seu livro The Dharma, diz: “Recitamos e meditamos sobre o mantra, que é o som iluminado, a fala da divindade, a união do som com a vacuidade. (...)Ele não possui uma realidade intrínseca, é simplesmente a manifestação do som puro, experienciado simultaneamente com sua vacuidade. Através do mantra, não nos apegamos mais à realidade da fala e do som encontrados no cotidiano, mas os experienciamos como sendo vazios. Então, a confusão do aspecto da fala de nosso ser é transformada na consciência iluminada”.
Pause o som do blog e aprenda a entoar este belo mantra: