Mesmo quem não costuma escutar música clássica já ouviu, numerosas vezes, o primeiro movimento da "Quinta Sinfonia" de Ludwig Van Beethoven.
O "pam-pam-pam-pam" que abre uma das mais famosas composições da História, descobriu-se agora, seria capaz de matar células tumorais - em testes de laboratório.
Uma pesquisa do Programa de Oncobiologia da UFRJ expôs uma cultura de células MCF-7, ligadas ao câncer de mama, à meia hora da obra. Uma em cada cinco delas morreu, numa experiência qua abre uma nova frente contra a doença, por meio de timbres e freqüências. A estratégia,que parece estranha à primeira vista, busca encontrar formas mais eficientes e menos tóxicas de combater o câncer: em vez de radioterapia,um dia seria possível pensar no uso de freqüências sonoras. O estudo inovou ao usar a musicoterapia para o tratamento de distúrbios emocionais.
- Esta terapia costuma ser adotada em doenças ligadas a problemas psicológicos, situações que envolvam um componente emocional. Mostramos que, além disso, a música produz um efeito direto sobre as células do nosso organismo - ressalta Márcia Capella, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, coordenadora do estudo.
Como as MCF-7 duplicam-se a cada 30 horas, Márcia esperou dois dias entre a sessão musical e o teste dos seus efeitos. Neste prazo, 20% da amostragem morreu. Entre as células sobreviventes,muitas perderam tamahho e granulosidade. O resultado da pesquisa é enigmático até mesmo para Márcia.
A composição "Atmosphéres", do húngaro György Ligeti,provocou efeitos semelhantes àqueles registrados com Beethoven.
Mas a "Sonata para 2 pianos em ré maior", de Wolfgang Amadeus Mozart, uma das mais populares em musicoterapia,não teve efeito.
- Foi estranho, porque esta sonata provoca algo conhecido como o "efeito Mozart", um aumento temporário do raciocínio espaço-temporal - pondera a pesquisadora - mas ficamos felizes com o resultado. Acreditávamos que as sinfonias provocariam apenas alterações metabólicas,não a morte de células cancerígenas.
"Atmosphéres", diferentemente da "Quinta Sinfonia", é uma composição contemporânea, caracterizada pela ausência de uma linha melódica. Por que, então, duas músicas tão diferentes provocariam o mesmo efeito?
Aliada a uma equipe que inclui um professor da escola de Música Villa-Lobos, Márcia, agora, procura esta resposta dividindo as músicas em partes. Pode ser que o efeito tenha vindo não do conjunto da obra, mas especificamente de um ritmo, um timbre ou intensidade.
Em abril, exposição a samba e funk.
Quando conseguir identificar o que matou as células, o passo seguinte será a construção de uma seqüência sonora especial para o tratamento de tumores. O caminho até esta melodia passará por outros gêneros musicais. A partir do mês que vem, os pesquisadores testarão o efeito do samba e do funk sobre as células tumorais.
- Ainda não sabemos qual a música e qual compositor vamos usar. A quantidade de combinações sonoras que podemos estudar é imensa - diz a pesquisadora.
Outra via de pesquisa é investigar se as sinfonias provocaram outro tipo de efeito no roganismo. Por enquanto, apenas células renais e tumorais foram expostas à música. Só no segundo grupo foi registrada alguma alteração. A pesquisa também possibilitou uma conclusão alheia às culturas de células.
Como ficou provado que o efeito das músicas extrapola o componente emocional, é possível que haja uma diferença entre ouví-la com som ambiente ou fone de ouvido.
- Os resultados parciais sugerem que, com o fone de ouvido, estamos nos beneficiando dos efeitos emocionais e desprezando as consequências diretas, com estas observadas com o experimento - revela Márcia.